19 de novembro de 2012

Dica de leitura

Quando comecei a estudar a disciplina Literatura Africana, ainda na faculdade de Letras, não imaginava que ficaria tão encantada com todo material literário que vem sendo produzido na África. Nesse período, conheci a obra do escritor moçambicano Mia Couto e, desde então, sou sempre fisgada por tudo que ele escreve. Com seus livros descobri Moçambique, a África e o mundo. Marejei os olhos, sorri e me debrucei em encantamentos e elogios a tudo que ele escreve. No último sábado, em Olinda, durante o evento da Fliporto – Feira Literária de Pernambuco, junto com outro autor africano de quem sou muito admiradora, José Eduardo Agualusa, tive a alegria de poder conversar com ambos após uma riquíssima palestra em que eles foram destaques. Impossível de não bancar a tiete e pedir autógrafos em livros, fotos... Impossível não dividir com todos a minha volta esse autor que há anos me encanta.


SAUDADE

Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
sói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono

Mia Couto, nascido António Emílio Leite Couto (Beira5 de Julho de 1955), é um biólogo e escritor moçambicano. Filho de portugueses que emigraram para Moçambique em meados do século XX, Mia nasceu e foi escolarizado na Beira. Com catorze anos de idade, teve alguns poemas publicados no jornal Notícias da Beira e três anos depois, em 1971, mudou-se para a cidade capital de Lourenço Marques (agora Maputo). Iniciou os estudos universitários em medicina, mas abandonou esta área no princípio do terceiro ano, passando a exercer a profissão de jornalista depois do 25 de Abril de 1974. Trabalhou na Tribuna até à destruição das suas instalações em Setembro de 1975, por colonos que se opunham à independência. Foi nomeado diretor da Agência de Informação de Moçambique (AIM) e formou ligações de correspondentes entre as províncias moçambicanas durante o tempo da guerra de libertação. A seguir trabalhou como diretor da revista Tempo até 1981 e continuou a carreira no jornal Notícias até 1985. Em 1983, publicou o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho, que inclui poemas contra a propaganda marxista militante. Dois anos depois, demitiu-se da posição de diretor para continuar os estudos universitários na área de biologia.
Além de considerado um dos escritores mais importantes de Moçambique, é o escritor moçambicano mais traduzido. Em muitas das suas obras, Mia Couto tenta recriar a língua portuguesa com uma influência moçambicana, utilizando o léxico de várias regiões do país e produzindo um novo modelo de narrativa africana. Terra Sonâmbula, o seu primeiro romance, publicado em 1992, ganhou o Prémio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995 e foi considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX por um júri criado pela Feira do Livro do Zimbabué.

Nenhum comentário:

Postar um comentário